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Projeto de Lei 105.9/2020

Tramita na Assembléia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) o Projeto de Lei (PL) 105.9/2020, que altera a Lei Estadual 14.675/2009, e pretende tornar AuC autodeclaratória, ou seja, a supressão de vegetação é automaticamente emitida sem a avaliação técnica do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA). O projeto ainda prevê a massificação de licenciamento autodeclaratório à todas as atividades, independente do porte e potencial poluidor, inclusive as causadoras de significativo impacto ambiental, como as atividades de mineração, metalurgia, portos e outros.



AuC autodeclaratória


O PL 105.9/2020 está em desacordo com o Decreto Federal 6.660/08, o qual regulamenta a Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/06), e é aplicável a todo o estado de Santa Catarina. Os Arts.23, 30, 32, 33 e 40 do referido decreto são explícitos sobre a exigência de vistoria prévia à emissão de AuC pelo órgão ambiental nos casos de supressão de vegetação nos estágios inicial e médio de regeneração.


O procedimento atual permite ao IMA avaliar a solicitação de supressão de vegetação por meio da comparação dos dados de inventário florestal com a legislação e vistorias em campo. Assim, podem ser verificadas inconformidades previamente, prevenindo danos irreversíveis ao meio ambiente, o que não será possível caso o PL 105.9/2020 seja aprovado.


O procedimento de auditoria, após a vegetação suprimida, é prejudicado e pode ser até mesmo impraticável, visto que os fatores a serem avaliados (estágio sucessional, presença de espécies ameaçadas) não estarão mais disponíveis. Por fim, destaca-se que, em relação ao levantamento de 2018, em 2019 houve uma redução do desmatamento do Bioma Mata Atlântica em Santa Catarina, avanço que a presente legislação coloca em risco.


Portanto, a forma como o Projeto de Lei 105.9/2020 propõe as autorizações para supressão de vegetação representa uma grande ameaça à proteção conferida à vegetação nativa do estado de Santa Catarina pela Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006).

Licenciamento Autodeclaratório de atividades


O texto original do PL 105.9/2020 previa a possibilidade da modalidade autodeclaratória para empreendimentos de porte e potencial poluidor pequeno e médio, o que já era considerado muito precipitado. Entretanto, o cenário agravou-se com a substituição da expressão “empreendimentos de pequeno e médio porte e baixo e médio impacto ambiental” (§ 5º do art. 36) pela palavra “atividades”, o que indica que a futura lei valerá para todo o tipo de atividade, independente do porte e potencial poluidor.


Segundo o Observatório de Justiça e Conservação, a emissão de licença ambiental autodeclaratória, como prevê o Projeto de Lei, subverte a lógica do licenciamento e viola os princípios do direito ambiental, podendo resultar no aumento da judicialização.


O licenciamento autodeclaratório parte do princípio da confiabilidade e suficiência das informações prestadas pelo empreendedor, podendo se sujeitar à auditoria do órgão ambiental para verificação de inconformidades, seguindo a mesma lógica da declaração do imposto de renda. Porém, ao contrário do que ocorre na declaração fiscal, a insuficiência ou inconformidade dos dados no licenciamento ambiental podem resultar em danos irreversíveis aos recursos florestais, à fauna, à qualidade dos nossos rios, do ar que respiramos, na saúde e no bem estar da população. Já os possíveis danos de uma declaração deficiente do imposto de renda remetem ao abstrato, ou seja, na diferença da quantia de dinheiro envolvida, tendo como ação corretiva, na maioria dos casos, o pagamento em dinheiro.


Diferentemente do Imposto de Renda onde as regras são claras e definidas, consistindo em informar basicamente rendimentos, bens e despesas, o licenciamento ambiental é um trabalho técnico minucioso e complexo, uma vez que envolve a avaliação de um conjunto de parâmetros técnicos, atributos e condições ambientais, limites e padrões de qualidade ambiental dispersos em leis, resoluções, portarias, enunciados, normas regulamentadoras, instruções normativas, literaturas e artigos técnicos, pareceres jurídicos do IMA e comunicações internas. Isso faz com que a apresentação de dados insuficientes ou insatisfatórios no licenciamento seja elevado, o que é evidenciado no dia a dia do IMA onde os servidores frequentemente necessitam solicitar dados complementares e adequações, o que causa atrasos no licenciamento.


As instruções normativas do IMA elencam os documentos administrativos e alguns requisitos legais e técnicos a serem apresentados no pedido da licença, porém é deficiente na abordagem dos parâmetros técnicos mínimos necessários para avaliar e atestar a viabilidade ambiental do empreendimento, bem como a suficiência de seus controles ambientais e na definição de condicionantes da licença.


Portanto, ao contrário do Imposto de renda, no licenciamento não há definição de regras claras e suficientes quanto aquilo que o declarante (empreendedor) deve apresentar ao órgão ambiental, bem como aquilo que o IMA deve verificar para atestar a viabilidade ambiental.



O licenciamento autodeclaratório no Estado da Bahia


O licenciamento autodeclaratório foi implementado de forma pioneira na Bahia e a proposta é alvo de críticas por parte do Ministério Público e de servidores do órgão ambiental. Lá, o licenciamento nesta modalidade é apenas para instalação de estação de telefonia celular, postos de gasolina e transporte de produtos/resíduos perigosos ou de saúde. Em apresentação no “Grupo de Trabalho Licenciamento Ambiental”, da Câmara dos Deputados, em junho de 2019, a especialista em meio ambiente e recursos hídricos Joana Nery Giglio, integrante da Associação Pré-Sindical dos Servidores do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ascra) da Bahia, apresentou informações sobre o licenciamento autodeclaratório (Teófilo, 2019).


De acordo com ela, dados do Sistema Estadual de Informações e de Recursos Hídricos (SEIA) da Bahia apontaram que entre 2012 e 2018 foram emitidas 3.305 Licenças Autodeclaratórias (LACs). Destas, só 232 foram fiscalizadas - um percentual de 7%. Daquelas fiscalizadas, só 26 estavam regulares, ou seja, em 88% das LACs foram detectadas pendências ou irregularidades.


Segundo Cristina Seixas Graça, coordenadora do Centro de Apoio Operacional (CAO) do Meio Ambiente do MP-BA e presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), o MP do Estado já entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). A promotora afirma que as atividades se instalam e funcionam sem qualquer conferência do Estado. “A experiência que temos é que não há controle”, disse. Ela critica as autorizações relativas a postos de gasolina que, segundo ela, têm um potencial grande de poluição, com a possibilidade de vazamento e contaminação de subsolo, por exemplo".



A LAC no Estado de Santa Catarina


A Licença Ambiental por Compromisso (LAC) foi inserida pela Lei 16.283/2013, a qual alterou o art. 36 da Lei Estadual 14.675/09.


Atualmente há cinco atividades possivelmente licenciáveis via LAC: 1) Criação de animais confinados de pequeno porte (avicultura) - Código da Resolução CONSEMA 98/17 01.70.00; 2) Restauração e melhorias de rodovias pavimentadas (32.12.02 - Porte M); 3) Antenas de telecomunicações com estrutura em torre ou poste (34.16.00); 4) Compartilhamento de estrutura em torre ou poste para antenas de telecomunicações (34.16.10); 5) Transporte rodoviário de produtos perigosos, resíduos perigosos ou rejeitos perigosos, exclusivamente no território catarinense (47.10.10).


Por se tratar de uma modalidade recente e complexa, o processo de implementação da modalidade no estado de Santa Catarina vem sendo gradual, inclusive com pretensão de ampliação em outras atividades ainda em 2020. Entende-se que a LAC é um mecanismo potencialmente útil para atividades específicas. Porém, a LAC deve ser implementada por meio de diretrizes que proporcionem segurança técnica aos empreendedores e servidores do IMA, instruções normativas mais detalhadas, e enunciados estabelecidos pelo Instituto, conforme prevê o Código Ambiental Catarinense, além de segurança jurídica quanto a competência dos servidores do IMA para auditar as LACs.


Percebe-se, portanto, que o arcabouço legal para a dinamização do licenciamento sem o comprometimento da qualidade ambiental em Santa Catarina já existe, porém está fragilizado, necessitando de avanços no processo de reestruturação do IMA, conforme prevê a Lei nº 17.354/2017. Assim, será possível compatibilizar as atividades econômicas e sociais à conservação do meio ambiente, proporcionando também segurança jurídica ao órgão e ao empreendedor.



Auditoria Ambiental


Uma condição básica e fundamental para a realização de qualquer auditoria, é a existência de diretrizes e normas que estabeleçam o rol de elementos e condições necessárias a serem avaliados. No caso do licenciamento ambiental, auditorias somente serão possíveis se os órgãos ambientais se engajarem na construção técnica criteriosa e minuciosa de normativas que abordam os atributos, condições, parâmetros, legislações e estudos complementares mínimos necessários para atestar conformidade legal do empreendimento e dar segurança ao empreendedor catarinense.


Além disso, a atribuição de auditor ambiental não está regulamentada no Estado de Santa Catarina, uma vez que o Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos dos Servidores do IMA não foi estabelecido, mesmo com exigência explícita no art. 15 da Lei 17.354/2017, que determinou sua implantação até o final de 2019.


Portanto, a consolidação do licenciamento ambiental autodeclaratório atualmente já se encontra ameaçada, uma vez que servidores do IMA se encontram desprovidos de atribuição específica para exercer a função de auditoria com a revogação da Lei Complementar nº 329/2006 e não instituição do Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos dos Servidores dentro do prazo previsto pela Lei Estadual 17.354/2017.


Salientamos ainda que o Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos dos Servidores do IMA já foi elaborado, por Comissão específica, e se encontra tramitando na Secretaria de Estado da Administração.



Referências bibliográficas


TEÓFILO, Sarah. Projeto de lei prevê licença licença ambiental sem análise ou vistoria em Goiás. Jornal O Popular, de 30/11/2019. Disponível em: https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/projeto-de-lei-prev%C3%AA-licen%C3%A7a-ambiental-sem-an%C3%A1lise-ou-vistoria-em-goi%C3%A1s-1.1944078.


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